segunda-feira, 26 de outubro de 2009

SOLOS TRÁGICOS - JUSTIFICATIVA 1


Antes de me perguntar como encenar um texto trágico, me perguntei por que encenar uma tragédia nos dias de hoje?
George Steiner decretou em A Morte da Tragédia que, por ser a tragédia uma forma de arte que “requer o peso intolerável de Deus”, é que “ela agora está morta porque Sua sombra não incide mais sobre nós como incidia sobre Agamêmnom ou Macbeth ou Atália.” No entanto, o Professor Gilson Motta, em seu ensaio A Encenação da Tragédia Grega e do Trágico na Cena Brasileira Contemporânea, acredita que “o século XX propiciou um retorno do trágico e da tragédia”, e contabiliza em seu artigo trinta e duas encenações de tragédias, no período entre 1994 e 2004, levando em consideração apenas encenações do Rio, São Paulo e Belo Horizonte. Assim, mesmo “morta” percebe-se que a tragédia continua em cena. O professor Motta coloca que a “a tragédia é um tema privilegiado quando se trata de estabelecer uma relação entre a reflexão estético-filosófica e o teatro.”

SOLOS TRÁGICOS - A ORIENTADORA


A orientadora do projeto é a Profa. Dra. Marta Isaacsson de Souza e Silva. A seguir, só pra constar, um breve currículo:  possui Bacharelado Em Artes Cênicas Habilitação Em Direção pela UFRGS (1985), mestrado em Études Théâtrales - Universite de Paris III (Sorbonne-Nouvelle) (1989) e doutorado em Études Théâtrales - Universite de Paris III (Sorbonne-Nouvelle) (1991), com tese sobre Stanislavski e Grotowski, sob a orientação de Jean-Pierre Ryngaert. Professor Associado da UFRGS, atuando no setor de Direção Teatral e de Teorias da Atuação do Departamento de Arte Dramática. Atualmente é Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas/UFRGS, onde participa da linha de pesquisa Processos de Criação Cênica. Bolsista Produtividade em Pesquisa CNPq.

domingo, 25 de outubro de 2009

CAMINHOS APONTADOS PELOS ENSAIOS 2



Hoje, domingo, 25 de outubro, completamos três semanas de ensaios. Na verdade, aconteceram 12 encontros completos. Ficamos um dia sem ensaiar porque três atores tinham outros compromissos de trabalho. Gastamos um dia conversando sobre inseguranças em geral. Usamos um encontro para nos encontrar e ler textos e definir, juntos, obras, personagens e papéis. Destes 12, usamos 4 para assistir filmes, ler e discutir teoricamente o assunto numa tentativa de sintonizar nossos saberes e aproximar nossos conhecimentos sobre o assunto.
Então, foram, na ponta do lápis, 6 ensaios. Estamos ainda buscando começar na hora. Estamos, também, estabelecendo uma rotina de exercícios de aquecimento corporal comum ao elenco. Já temos alguns “favoritos”, mas ainda não chegamos numa seqüência ideal.
Nestes 6 dias, empreendemos uma primeira aproximação aos personagens. Com a definição de alguns papéis, foi possível experimentar corporalmente e utilizando fragmentos de textos, tanto as árias dos solistas, quanto as possibilidades do coro. Tentamos trabalhar um coro de mortos. Mais uma vez os corpos que se transformam em atores que se transformam em personagens diante dos olhos do público e mesmo assim conseguem enfeitiça-lo, domina-lo, perturba-lo com um sentimento fortemente embebido nas águas do trágico.
Estamos indo bem.

CAMINHOS APONTADOS PELOS ENSAIOS 1


Não tem sido possível escrever todos os dias sobre os ensaios. Escrevi no blog algumas coisas que quando as li novamente achei que eram um tanto superficiais. Foi fundamental aprofundar certos conceitos, pensamentos e idéias com a Profª Marta. Ela tem um pensamento rápido e agudo e uma conexão fantástica com a capacidade de colocar isso em palavras. Chegamos ao final da segunda semana de ensaios. Creio que os avanços são tímidos tanto do lado de cá, quanto de lá. A insegurança causada pelas indefinições do projeto e do diretor contamina o elenco e reclama urgentes definições, o caminho das pedras. Somente agora temos o elenco completo. Com a entrada do Daniel Colin finalmente temos os quatros homens.
Tenho tentado resgatar os exercícios e procedimentos que tenho utilizado mais frequentemente, desde 2004. Assim, o exercício que chamo de Siga o Chefe (em suas modalidades) vem sendo largamente utilizado. Com a repetição, os atores vão ficando mais livres dentro do exercício, e os resultados alcançados crescem de padrão.

INTUIÇÃO AMORFA 5


Têm algumas coisas que sei que não gostaria de ver na peça. Coisas do tipo “teatrão”, “vozeirão”. Textos impostados e uma representação grandiloquente carregado de falso sentimento trágico. Algumas outras coisas, que repetidamente aparecem em minhas leituras, acredito que devem fazer parte da encenação:
ALTAR: elemento que aparece em várias tragédias gregas, está presente em praticamente todas as religiões e ritos primitivos. Conforme o Dicionário de Símbolos, trata-se do “microcosmo e catalisador do sagrado. Para o altar convergem todos os gestos litúrgicos, todas as linhas arquitetônicas. Reproduz em miniatura o conjunto do templo e do universo. É o recinto onde o sagrado se condensa com o máximo de intensidade. (...) O altar simboliza o recinto e o instante em que um ser se torna sagrado, onde se realiza uma operação sagrada.”
CÍRCULO: elemento de congregação de forças e energias. Elemento de proteção. Área de atuação. Trabalhar com círculos concêntricos, organizando a platéia também em um círculo. No verbete “círculo” do Dicionário de Símbolos fica-se sabendo que ele é o “segundo símbolo fundamental”, ele pode “simbolizar o mundo (...), os círculos concêntricos representam categorias de ser, as hierarquias criadas. (...) O círculo simbolizará também o céu, de movimento circular e inalterável. (...) O circulo é signo da Unidade de princípio.
SANGUE: – elemento considerado mundialmente como veículo da vida. Signo da violência, quando extraído da vítima, também pode ser entendido como veículo da morte. “O sangue corresponde ao calor vital e corporal, em oposição à luz, que corresponde ao sopro e ao espírito. (...) O sangue é considerado em certos povos o veículo da alma, conforme o dicionário de Símbolos.
SACRIFÍCIO: aparece em vários filmes que assistimos. O Dicionário de Símbolos diz assim: ação de tornar algo ou alguém sagrado (...) separado do todo o mundo que permanece profano, (...) oferecido a Deus como prova de dependência, obediência, arrependimento ou amor.

TEXTOS E PERSONAGENS DEFINIDOS


Estão praticamente definidos todos os textos que farão parte da peça. Falta apenas ler textos de alguns autores, tais como Strindberg, Kleist e Schiller. A seguir o listão dos confirmados: Ifigênia em Aulis, As Fenícias e Andrômaca, de Eurípedes; Ájax e Antígona, de Sófocles; Sete contra Tebas, de Ésquilo; Hamlet, Macbeth e Romeu & Julieta, de Willian Shakespeare; Tebaida, de Jean Racine, Woyzeck, de Georg Büchner; Edda Gable, de Henrik Ibsen; Senhora dos Afogados, de Nelson Rodrigues; Medeamaterial, Heiner Muller; e Cruzadas, Michel Azama.
Do texto As Moscas, de Jean-Paul Sartre, retiramos o texto que penso utilizar na abertura do espetáculo. Aí está:
"Vós, os esquecidos, os abandonados, os desencantados, vós que arrastais no rés do chão, na escuridão, como os gases de um vulcão, e que não tendes mais nada senão vosso rancor, vós os mortos, de pé, é vossa festa! Vinde, levantai da terra como um enorme vapor de enxofre empurrado pelo vento; levantai das entranhas do mundo, ó mortos cem vezes mortos, vós que cada batida de nosso coração faz morrer de novo, é pela cólera e a amargura e o espírito de vingança que vos invoco, vinde saciar vosso ódio sobre os vivos! Vinde, espalhai-vos em bruma por nossas ruas, colocai vossas legiões entre a mãe e a criança, entre o casal de amantes, fazei-nos ter pena de não estarmos mortos. De pé, vampiros, larvas, espectros, harpias, terror de nossas noites. De pé, soldados que morreram blasfemando, de pé, ó infelizes, ó humilhados, de pé, ó mortos de fome cujo grito de agonia foi uma maldição. Olhai, os vivos estão ali, gordas presas vivas! De pé, atirai-vos sobre eles em turbilhão e comei-os até os ossos! De pé! De pá! De pé!..."

(Ouve-se um tam-tam. Ele dança diante da caverna, a pricípio lentamente, pouco a pouco acelera, até cair extenuado.)

INTUIÇÃO AMORFA 4



Penso que a peça deva ter momentos de beleza trágica³. Pretendo que a peça tenha uma construção pictórica. Que tenha crueldade. Violência, vingança e sacrifício. Concordo com o Marcelo, quando ele aponta que a tragédia se dá um mundo fechado em si mesmo, e mostra fotos da montagem “Les Atrides”, de Ariane Minouchkine, onde ela ambienta a Orestéia em algum lugar de uma Índia ancestral. Que mundo seria o nosso? Como construir este universo em volta do público? Num hospital? Já foi usado. Num tribunal? No Palácio do Governo? Numa igreja? Já foi usado. Tudo já foi usado. O quê não foi usado? Interessa não usar o que já foi usado somente porque já foi usado? Algum prédio que lembrasse a violência. Hospital. Prisão. Prédio onde aconteceram torturas. Cemitério? Que local instalaria este mundo especial e fechado e, de preferência, carregado de magia, carregado de uma energia forte que possa auxiliar a comunicação da peça com o espectador? Pensei num matadouro. Dependendo da arquitetura do lugar poderia trazer para o espectador o contato trágico da matança, bem como uma ligação, uma metáfora, com a destruição do meio ambiente.
Ilustração: Judite decapitando Holofernes, Michelangelo Caravaggio.

INTUIÇÃO AMORFA 3


Texto de leitura obrigatória foi um pequeno ensaio do professor Gerd Bornheim, chamado Breves Observações Sobre o Sentido e a Evolução do Trágico, publicado no livro “O Sentido e a Máscara”. Neste ensaio o professor resume uma grande parte da discussão sobre a tragédia e do que foi pensado e escrito sobre o trágico. Lá pelas tantas o professor indaga: “Qual é a essência do trágico? Qual o sentido que tem hoje o fenômeno trágico e a tragédia? O mundo Contemporâneo permite o trágico? Em que medida? Como pode ele ser vivido?” E sugere que devemos tentar compreender o sentido destas perguntas.
Pois, eu e o elenco todo estamos lidando exatamente com estas questões. E ainda com outras: como atualizar a tragédia? Como pode se dar a sua representação? Vários autores ensinam que sem a presença forte dos deuses e com o enfraquecimento de Deus, é impossível aproximar o espectador de um sentimento de compaixão. Percebendo uma crescente banalização nas relações humanas, haverá uma maneira de provocar uma concentração tão grande na platéia e atingi-la com um direto de direita em pleno estômago? Com o empobrecimento cultural do mundo contemporâneo é possível provocar um preenchimento de beleza estética?

INTUIÇÃO AMORFA 2


Assim, inspirado pela expressão cunhada por Peter Brook, tenho me ocupado nos últimos meses a perseguir, a me imbuir, a me permitir, a me embeber de leituras e imagens que me auxiliem a produzir um insight, um lampejo de intuição amorfa.
Vou delimitando o problema, separando aquilo que sei que não quero, daquilo que é possível querer.
Quando se fala em tragédia a cor preta se impõem. Mas não vejo uma cor, vejo uma nebulosa.
Penso que devemos trabalhar com aquilo que chamo de teatro essencial², ou seja, o essencial do teatro: o ator. Buscar com que a maior parte das marcações originem-se nas improvisações dos atores. Estimular a utilização do corpo e do gesto (ou enquanto gesto) dos atores no espaço e no tempo. A distribuição das pessoas no espaço. E, como o assunto é tragédia, como extrair “tragédia” do ator?
Penso que o público, na qualidade de participante da celebração, pode desempenhar algum determinado papel no espetáculo. Colocado como coro? Separar mulheres e homens como a Petit falou que faziam no Higyenie? Que papéis poderiam representar? Como serão recebidos? Envolvidos pela encenação? Como extrair tragédia do público? Com a participação efetiva?

INTUIÇÃO AMORFA 1



Relendo o Ponto de Mudança de Peter Brook, por sugestão de minha orientadora, Profª Drª Marta Isaacsson, me deparo com a “intuição amorfa”, expressão com a qual ele designa um longo e escuro túnel que se forma diante do diretor quando ele começa a desenvolver um novo projeto teatral. Me considero filiado ao conceito de “intuição amorfa” conforme postulado por Peter Brook. Na verdade, já havia lido este livro e me senti imediatamente influenciado por suas idéias. Peter Brook, por sua genialidade e generosidade humana, é inspirador de muitas gerações de diretores.
Quando dirigi as peças do Plínio Marcos no Teatro de Arena minha primeira relação com as peças foi a imagem de uma chapa de compensado naval, aquelas chapas que se usam para fazer aqueles tapumes cor-de-rosa. Em O Pagador de Promessas foram as bandeirinhas vermelho e brancas. No Auto da Compadecida, eram as festas populares do Brasil com seu colorido mega estonteante.
Agora estou novamente diante de um novo projeto e me coloco o desafio de descobrir , junto com os atores, a criação de uma poética de encenação para uma pequena coleção de textos trágicos¹. Premissa básica: o compromisso de tocar emocionalmente o espectador ou, pelo menos, remeter-lhe a alguma questão importante para si mesmo e provocar-lhe uma reflexão.
Aí começa o túnel escuro. A intuição amorfa.

O OITAVO PASSAGEIRO


Depois de dez dias de angustiante procura acabei encontrando alguém que estava bem perto de mim. O oitavo elemento é o ator e diretor Daniel Colin, o cara mais premiado dos últimos tempos e mais imerecidamente não premiado em tempos anteriores. Daniel em todos os trabalhos que faz tem apresentado uma enorme criatividade e potência. Trabalhamos juntos anteriormente em Abracadabra, Medusa de Rayban e Quriozas Qomédias. Longos processos de ensaios e convivência. Afinal, estivemos juntos de 2002 a 2008 como integrantes do Depósito de Teatro. Percebo a influência do meus trabalho nas peças do Daniel. Percebo que ele avançou e re-definiu a seu modo, algumas de minhas idéias e conceitos teatrais, com tremenda originalidade. Com a ausência da Sandra Possani, Daniel passa a ser meu único elo com o passado. Relutei muito em convidá-lo justamente por causa disso. Mas, por outro lado, pensei que poderia ser muito importante para o restante do elenco ter o Daniel como colega, pois eu e ele temos estes seis anos de experiência teatral conjunta.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

TRAGÉDIA - O CANTO DO BODE


Mais Pavis. Uma olhada no verbete TRAGÉDIA do Dicíonário de Teatro: começa com a origem da palavra: "do grego tragoedia, canto do bode - sacrificio aos deuses pelos gregos", e define assim: "Peça que representa uma ação humana funesta muitas vezes terminada em morte".
Depois repete a definição clássica retirada de Aristóteles com algumas diferenças daquela apresentada por Daisi Malhadas, no livro comentado no post anterior: "A tragédia é uma imitação de uma ação de caráter elevado e completo, de uma certa extensão, numa linguagem com condimentos de uma espécie particular conforme as diversas partes, imitação que é feita por personagens em ação e não por meio de uma narrativa, e que, provocando piedade e terror, opera a purgação própria de semelhantes emoções".
Complementa o verbete com o seguinte: "Vários elementos fundamentais caracterizam a obra trágica: a catharsis ou purgação das paixões pela produção de terror e piedade; a harmatia ou ato do herói que põe em movimento o processo que o conduzirá à perda (ou queda); a hibrys, orgulho e teimosia do herói que persevera apesar das advertências e recusa esquivar-se; o pathos, sofrimento do herói que a tragédia comunica ao público. a sequência tipicamente tágica teria por "fórmula mínima": o mythos é a mimese da praxis através do pathos até a anagnoris." Traduzindo: "a história trágica imita as ações humanas colocadas sob o signo dos sofrimentos das personagens e sa piedade até o momento do reconhecimento das personagens entre si ou da conscientização da fonte do mal".
Pavis termina o verbete com a seguinte dica: "Sem fazer aqui a história da tragédia, cumpre reter três períodos em que ela floresce particularmente: a Grécia clássica do século V, a Inglaterra elizabetana e a França do século XVII (1640-1660)." 

ARISTÓTELES - A DEFINIÇÃO DE TRAGÉDIA


"A tragédia é a representação de uma ação nobre e completa, com uma certa extensão, em linguagem, poetizada, cujos componentes poéticos se alternam nas partes da peça, com o concurso de atores e não por narrativa, que pela piedade e pelo terror opera a catarse desse gênero de emoções."
Retirei esta definição, que consta da "Poética" de Aristóteles, do livro "Tragédia Grega - O Mito em Cena", de Daisi Malhadas. A autora prefere tradizir MIMÈSIS por "representação" ao invés da tradicional "imitação". Mais adiante, a autora cita os estudiosos Roselyne Dupont-Roc e Jean Lallot para definir a Kátharsis: "A Kátharsis trágica é o resultado de um processo (...): assistindo a uma história (MYTHOS) em que se reconhece as FORMAS, sabiamente elaboradas pelo poeta, que definem a essência daquilo que inspira íedade e terror, o espectador experimenta a piedade e o terror, mas de maneira quinta-essenciada, e a emoção purificada que dele então se apodera e que qualificamos de estética vem acompanhada de prazer".  Desta maneira, a autora relaciona a catarse com prazer estético. Já no verbete Terror e Piedade, do Dicionário de Teatro, de Patrice Pavis, encontramos que "Para Aristóteles, é provocando no espectador a piedade e o terror que a tragédia cumpre a purgação (catarse) das paixões. Há compaixão e, portanto, identificação, "quando presumimos que também poderíamos ser vítimas dela, ou alguém dos nossos, e que o perigo parece próximo de nós" (Aristóteles, Retórica II:3). Racine, no prefácio de Andrômaca, diz que as personagens, de acordo com o dogma clássico, não deverão ser nem "inteiramente boas", nem "inteiramente más", é preciso que elas "caiam em desgraça por alguma falta que as faça queixar-se sem fazê-las detestar".

domingo, 11 de outubro de 2009

LES ATRIDES - MAIS ARIANE MINOUCHKINE



No livro "Ariane Minouchkine, a arte do presente", que traz uma série de entrevistas realizadas por Fabienne Pascaud, no capítulo E o Soleil se põe a fazer tragédia, Ariane fala sobre e encenação de Les Atrides e teoriza sobre a tragédia. Começa falando de sua escolha em encenar a Orestéia e incluir Ifigênia em Aulis, transformando a trilogia em tetralogia. Declara que não sabia nada de tragédia clássica, "somente que não devia ser como as que havia visto quando era jovem, com lençóis e sapatos grandes. E vozes de além-tumba. Que aborrecimento!" Quando Pascaud lhe pergunta sobre que sentimentos novos ela sentiu trabalhando a Orestéia, Ariane responde dizendo: "(...) Me sentia como o coro, espantada e fascinada. Enferma e curada. (...) Quando se põem em cena as grandes obras, se abre a caixa onde fermenta uma sensualidade, um erotismo extremadamente forte, onde esperneiam todos os demônios." Pascaud vai mais fundo e lhe questiona: "O que é tragédia?". Ariane responde: "É um erro fatídico. Um raciocínio equivocado, um erro de escolha. O momento terrível em que nos vemos obrigados a escolher entre o "detestável inevitável" e o "desejável perigoso".
Mais adiante, Minouchkine diz que o ator "é um mergulhador que submerge no fundo da alma, recolhe as paixões, as traz para a superfície, as raspa, as penteia, as entalha, para convertê-las em sintomas físicos. Metaforiza o sentimento. Só então as imagens provocam emoção." Tece um elogio aos atores orientais e explica brevemente porque utilizou da dança balinesa e do kathakali hindu na encenação.  Depois o assunto se volta para o coro e termina com uma reflexão da Ariane sobre o ator trágico: "Que é um ator trágico ou uma atriz trágica? É aquele ou aquella que não sucumbe diante do peso, diante deste suposto peso do trágico. Igual que Ifigênia que é capaz de dançar antes de morrer. Que deve dançar antes de morrer."

PRIMEIRA SEMANA DE ENSAIOS



Me sinto tateando no escuro. Tenho na minha frente um retrato claro de como venho trabalhando sem planejamento durante todos estes anos. Desta vez parece que me superei. Não sei nada da peça igual como das outras vezes. Mas, desta vez tenho pouco tempo. Os textos não foram escolhidos. Não existe uma concepção a priori. Não fiz todas as leituras que gostaria de ter feito. O ensaio de quarta foi meio desajeitado. Trabalho de corpo, jogo policial e terrorista e conversa sobre tudo. Na quinta de tarde mais dois filmes: "As Troianas", de Michael Cacoyannis e "Édipo Rei", novamente de Pier Paolo Pasolini. Cada um dos dois nos ofereceu lenha para o imaginário. O ensaio de sexta me pareceu melhor. Mais cosistente. Agora só falta um ator e os sete presentes estavam imersos no trabalho. Lamento os atrasos que aconteceram. Nossa disciplina nos dá uma coesão. Trabalho corporal, movimentos em duplas (diálogos corporais), relaxamento, trabalho corporal com vetores de energia iguais e contrários (isso parece dar mais "peso" aos movimentos e trabalha com o tempo). Depois, contrariando os ensinamentos de Lecoq, improvisamos sobre pequenos trechos de diversas tragédias gregas. Cada ator, utilizando-se de movimentos e energias despertada na primeira parte do ensaio, criou uma partitura corporal e uma maneira de dizer aquele fragmento do texto buscando a tragicidade, ou o que estou chamando de corpo trágico. Quando montamos Qorpo Santo, nossas busca era pelo corpo grotesco. Aqui, penso que seria interessante se encontrássemos o corpo trágico. A expressão do trágico que se encontra presente no inconsciente coletivo das pessoas. Interessa, para a encenação e para a interpretação, evitar todo um conjunto de atitudes pré-concebidas que surgem assim que se pronuncia a palavra "tragédia".
Estou tentando reunir tudo que posso chamar de "meu trabalho", ou seja, um conjunto de exercícios e procedimentos que venho organizando e utilizando desde 2001, com a montagem de "O Pagador de Promessas". Estou estudando sobre violência, vingança e sacrifício. Estou tateando. Rondando o problema e experimentando por onde começar, por onde entrar no bicho.

SEGUNDO ENSAIO



Novo encontro. Desta faltaram duas atrizes. Resolvendo suas vidas para, espero realmente, não precisarem cometer mais nenhuma falta. O processo precisa de todos. Tenho que definir imediatamente a pessoa que falta para ter logo o elenco completo. Assistimos o filme "Médeia" dirigido por Pier Paolo Pasolini, simplesmente um dos mais importantes cineastas do mundo. O filme é carregado de magia. Não é atôa que Lars Von Trier em "Anticristo" faz uma dedicatória a Pasolini. Começa na terra de Médeia com ela própria comandando um ritual de sacrifício em favor da fertilidade da terra. Impregnado de religiosidade, pouco texto para que as imagens falem por si próprias e muita natureza, são características do filme, que acontece em vários cenários, sendo que cada um é mais belo do que o anterior. Pasolini parece não ter muito cuidados com os cortes, mas tem um apuradíssimo senso de fotografia. Muita cor de terra, muita terra, muita pedra. Algum verde. Na opinião do Marcelo, Pasolini fez uma tragédia moderna, visto que excluiu a presença dos deuses. 

sábado, 10 de outubro de 2009

SOLOS TRÁGICOS - COMEÇAM OS ENSAIOS


Ainda sem o lenco completamente formado - falta definir duas pessoas - realizamos na segunda-feira, 5/10, o primeiro encontro. Como foi um final de semana corrido por causa da seleção, e a manhã de segunda foi atribulada por problemas cotidianos, não foi possível preparar o primeiro ensaio como gosto: propor alguma coisa inteiramente diferente para o elenco.
Devido a chuva e a chave da sala - um dos problemas de ensaiar no DAD - houve um pequeno atraso já no primeiro dia. Fato que considero, no mínimo, desagradável. Como também foi lamentável ter uma das atrizes faltando - mesmo justificadamente - no primeiro dia de trabalho.
Trabalhamos com um breve alongamento e aquecimento corporal desenvolvido pelos próprios atores. A seguir, passamos por um trabalho com movimentos amplos, grandes, bem definidos no espaço, com começo e fim entremeados de pequenas pausas, nas quais os atores deviam permanecer imóveis. No decorrer do trabalho solicitei que eles fossem incorporando aos seus movimentos e ações, os seguintes adjetivos: suavidade agressividade, nobreza e tragicidade. Foi um primeiro contato em busca de um corpo trágico. Terminamos nosso primeiro encontro conversando sobre as idéias do projeto e o funcionamento prático do trabalho. Apesar dos pesares, foi um bom começo.

SOLOS TRÁGICOS - SELEÇÃO DE ELENCO 3


Depois de uma árdua decisão, cheguei, finalmente, a formação de um elenco para os Solos Trágicos: Marcelo Adams, Elisa Heidrich, Fernanda Petit, Rodrigo Fiatt, Lívia Dávalos, Isandria Fermiano e, o último convocado, Lucas Sampaio. Ainda falta um oitavo passageiro. Começamos a ensaiar na segunda-feira, 5/10, ainda sem todos os nomes. O elenco foi se completando e na próxima semana deve estar totalmente fechado. É sempre muito complicado fechar um elenco. Quase nunca é uma questão de talento ou, pelo menos, da autonomia desejada em cada ator. Muitos a têm. A raiz do problema encontra-se em razões subjetivas. Maturidade, experiência, visualização interior do diretor entre o papel e o tipo físico do ator, a composição final dos corpos em conjunto, etc. Agora, procuro, de preferência, um ator que eleve a média de idade do elenco. Alguém com mais experiência e maturidade, mas que se disponha a trabalhar com o corpo. Quando se fala, ou pensa, em atores mais velhos, via de regra, caimos nos chamados atores de texto. Não que estes não sejam bons atores e consigam bons resultados, mas apresentam uma enorme resistência aos ensaios, ao aquecimento físico, à disponibilidade corporal. Alguém se candidata?

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

AS ERÍNIAS


Nascidas das gotas de sangue de Urano derramadas sobre a terra, estão entre as mais antigas deusas gregas. Elas são: Alecto, Megera e Tisifone. E se equivalem aquelas que os romanos chamavam de As Fúrias.
Têm como função proteger a ordem estabelecida e vingar todos os delitos capazes de a subverter. Elas têm autoridade sobre todos os deuses, inclusive Zeus. elas encarniçam-se sobre suas vítimas até as levarem a loucura. (Édipo, Orestes e outros.)
Durante a ditadura militar de 64, muitas vezes, os militares tornaram-se As Erínias, colocando-se acima de qualquer poder para dominar o que chamavam de subversão. Por trás de fachada de caça aos comunistas, subversivos e terroristas, permitiram-se torturar, roubar e matar impunemente. Auto nomearam-se vingadores que puniam a desordem e o caos. Assim foi no Chile a na Argentina.
Nos EUA tivemos a Klu Klux Klan.
Que Erínias podemos identificar atuando no mundo contemporâneo? Quais são legítimas protetoras da ordem e vingam verdadeiros delitos e quais se autointitulam desta função para defender os benefícios da elite?
As Erínias ou fúrias, em representação de William-Adolphe Bouguereau, de 1862.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

SOLOS TRÁGICOS - SELEÇÃO DE ELENCO 2


No sábado, 3/10, foram entrevistadas as 32 pessoas que compareceram ao encontro, entre as mais de 50 inscritas. A entrevista girava sobre vários assuntos que julguei de interesse perguntar aos atores. Temas como pinturas, livros, drogas, restrições, disponibilidade de horário, preferências teatrais e habilidades gerais das pessoas, fizeram com que eu pudesse, mesmo que rapidamente, ter uma aproximação com cada um dos participantes. De acordo com conceitos totalmente subjetivos algumas pessoas foram eliminadas já nesta fase.
Na tarde seguinte, agora com a participação de 13 pessoas, realizei uma oficina, para conhecer e me aproximar dos saberes teatrais de cada um dos atores que se disponibilizou a fazer parte da seleção. Tentei dar uma pequena mostra de como seriam os ensaios e propus um aquecimento e trabalho corporal que durou uma hora. Depois, sugeri uma improvisação e criação de cenas a partir de fragmentos de textos de tragédias. Todos, sem exceção, se desemcumbiram muito bem da tarefa tornando muito difícil o trabalho de escolher entre eles. Principalmente, no que se refere as atrizes, que, mais uma vez, compareceram um maior número e demonstraram uma excelente qualidade na representação.
Agora, cabe a mim escolher e definir o elenco, de acordo com minhas necessidades objetivas e conceitos totalmente subjetivos.
Ilustração: os finalistas da seleção de elenco: Miriã Possani, Elisa Heidrich, Marcelo Mertins, Tatiana Vinhais, Rodrigo Fiatt, Frederico Vasques, Nátali Karro, Fernanda Petit, Lívia Dávalos, Isandria Firmiano, Luciano Berta, Rida Pozetti e Lucas Sampaio.

sábado, 3 de outubro de 2009

RODA DA FORTUNA

A roda da fortuna é o arcano de número 10 das cartas do Tarô. A carta da esquerda pertence ao tarô criado pelo mago inglês Aleister Crowley, e a da direita é do tarô de Marselha, tido como o mais antigo baralho da arte divinatória através de cartas. A roda da fortuna, ou simplesmente, Fortuna está associada diretamente as palavras "destino", "desígnio", "sorte", "infortúnio". Envolve a compreensão e aceitação de forças que são superiores a vontade, ao ego e aos desejos humanos. A roda da fortuna pode girar a qualquer momento e ocasionar acontecimentos determinados pelo destino gerando mudanças de condições. No livro Tragédia Moderna, o autor, Raymond Willians, cita o prólogo dos Contos de Cantuária ( 1386-1400) de Geoffrey Chaucer:
"Lamentarei, em forma de tragédia/ A ruína daqueles que tinham estatuto superior/ E caíram de forma que não houve remédio/ Capaz de resgatá-los de sua adversidade/ Com certeza, quando a Fortuna decide fugir/ Não há homem que possa contê-la/ Que ninguém confie na prosperidade cega."

quinta-feira, 1 de outubro de 2009


Li na Revista ARTEFILOSOFIA, número 1, de julho de 2006, um artigo de Gilson Motta (cenógrafo, figurinista e diretor teatral, Mestre e Doutor em Filosofia pela UFRJ), que desenvolve pesquisa sobre o trágico e a tragédia, tendo como base teórica o pensamento de Friedrich Nietzsche.  A revista é publicada pelo Instituto de Filosofia, Artes e Cultura da Universidade Federal de Ouro Preto.
Sobre a atualização da tragédia o professor comenta: "Nesta busca de tornar o texto antigo acessível, as encenações nacionais têm recorrido a elementos da linguagem circense, ao teatro de rua, ao teatro popular e ao teatro de bonecos. (...)Um outro elemento importante encontra-se no uso de tecnologia, como o uso de recursos multimídia. (...) Uma outra tendência consiste na busca do arcaico, do sagrado, na tentativa de afirmação de um teatro ritual'.
Que caminho devemos trilhar?
Por hoje é só.
Ilustração: Screaming Pope, de Francis Bacon.

SOBRE IFIGÊNIA


Esta ilustração é o cartaz do filme de Michael Cacoyannis produzido em 1977. Achei no youtube, em www.youtube.com/watch?v=pxzvn_Rw_hI, algumas cenas do filme. Gostei mais do que As Troianas.
Na peça vamos usar os textos de  Eurípides e de Racine. Mário da Gama Curi, o tradutor de Eurípides, acha que Ifigênia em Áulis é uma obra-prima.
Os antecedentes:
Páris foge para Tróia levando Helena, mulher de Menelau. Agamêmnon, irmão de Menelau cede a ira do irmão e convoca as tropas gregas para buscar a cunhada de volta e dar uma lição nos troianos.
O enredo da peça:
Mil barcos gregos estão ancorados no Porto de Áulis esperando ventos favoráveis para a partida rumo à vingança. Calcas, o adivinho, profetiza que os ventos só soprarão depois que Agamêmnon sacrificar sua filha Ifigênia à deusa Ártemis. Agamêmnon manda buscar a filha, e mesmo sangrando-se de culpa manda a adolescente para o sacríficio.
Resultado:
Os ventos sopram. Os gregos partem para Tróia. Acontece uma guerra que dura dez anos e acaba com Tróia dizimada (ver As Troianas). Agamêmnon volta pra casa trazendo sua amante Cassandra. Encontra sua mulher, Clitemnestra, casada com Egisto. E toda história continua na trilogia chamada Orestéia ou Oréstia, que reúne as peças: Agamêmnon, Coéforas e Eumênides, todas de Ésquilo.
A idéia é usar em Solos Trágicos um trecho em que Ifigênia se enche de resignação e aceita candidamente a morte em nome da pátria e da honra do pai, e também, um trecho de Agamêmnon com a angústia da terrível decisão.
Como isso vai ser feito, ainda não tenho a mínima idéia. Mas, os atores deverão alcançar a compreensão das emoções vividas por cada um dos personagens e, mais ainda, encarar a dimensão trágica do pai que manda a filha para o sacrifício e da filha que ultrapassa o medo de morrer e resigna-se com a morte.   


SOLOS TRÁGICOS - NOSSA PRODUTORA


O projeto ja tem uma produtora. Trata-se da atriz e produtora Francine Kliemann. Este é o segundo trabalho que fazemos juntos. Além de atriz, Francine, também vem se dedicando eficientemente a dura tarefa de produzir espetáculos. Alguém tem que fazer o trabalho sujo. A função é das mais importantes do teatro, mas mesmo assim, sua profissionalização ocorrre lentamente aqui em Porto Alegre. A maioria destes profissionais preferem dedicar-se a área do cinema ou da música. Muito poucos trabalham com teatro. E muitos assumem a função por que alguém tem que assumir.
O produtor(a) está na base da maior profissionalização de um grupo. Quanto mais próximo do trabalho ele(a) está, melhor vai compreender as necessidades materiais que vão surgindo no decorrer de um processo.
Bem-vinda Francine. Tomara que tudo funcione nesta tua nova produção. Tomara que  o teu trabalho seja leve e prazeroso, porque o meu, com a tua chegada, certamente será.