domingo, 7 de fevereiro de 2010

SOLOS TRÁGICOS - FINAL DE TEMPORADA


EXORCISMO

Eu sei que eu precisava desse trabalho prá exorcizar os demônios que passamos juntos naquele velho Depósito de Teatro. Sinceramente, faço votos prá que um novo Depósito de Teatro nasça, porque tu e a tua história merecem!
Prá mim foi mais uma vez desafiador e engrandecedor trabalhar contigo. Apesar dos pontos negativos e dos momentos de "quase desistência", eu sempre aprendo muito convivendo contigo. Eu sempre digo que gosto de ser dirigido por ti porque realmente sinto que tu extrai de mim o que eu posso dar de melhor. E com o Solos Trágicos não foi diferente.
Valeu muito, velho!
Abraços com amor,
Dani

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

TRECHOS DO COMENTÁRIO DE RODRIGO MONTEIRO

(...) Não há dúvida: Porto Alegre é uma cidade bem servida de diretores teatrais. Mas, de fato, muitos precisam comer bem mais feijão para se aproximar de quem também se chama Modesto Fortuna. E, para que não se pense que o calor da hora ainda não passou e se reflete nessa consideração, explico: noto que, quando vou ver uma peça do diretor X, Y ou Z eu já sei o que vou ver. Já sei que vai ser uma peça tradicionalista, já sei que vai ser um espetáculo sem cenário, já sei que vai ter muitos vídeos, já sei que os atores vão gritar muito, já sei que vai ser uma produção muito cuidadosa, etc, etc... Como poucos, no entanto, Roberto Oliveira me dá duas certezas: já sei que vou ver algo que o diretor, até então, nunca fez e que, para ele, é um desafio. E tenho a certeza de que vou ver algo bom. “Solos Trágicos” é o exemplo da vez.
(...) Então, vem o coro e outros elementos surgem, muitas vezes, em direções opostas ao texto dito. O texto dito é só um texto pronunciado. Completamente descontextualizado, unido a outros textos e de outras partes da mesma história, e, ainda, acompanhado de personagens de outros tempos e luzes com outras propostas e uma trilha proposital (os músicos) e não proposital (os sons do ambiente) motivadora, sua força semântica se perde totalmente. Dele, das palavras ditas, fica quase sempre apenas o som. Convocação: O que esses personagens têm a ver com isso? O que esse ator está dizendo? Por que ele está assim vestido? Que barulho é esse? Olha aquela luz lá!!! Meldeuz, que imagem linda!
(...) Os rostos de quem recebe a peça me dizem muito: poucos parecem entender o que estão vendo, mas ninguém tira os olhos da cena em nenhum momento. (...) Em “Solos Trágicos”, me senti na platéia de Show Boat: você sabe que tem muita coisa ali, você sente que é algo muito bom, mas você não sabe o que é, você não domina, é alheio a você. Que raiva!
A motivação desse novo espetáculo do “Depósito de Teatro”, um dos grupos mais importantes da história do teatro gaúcho, é o constrangimento. Roberto Oliveira e sua equipe de produção desorganizam o público, nos deixam atônitos com tamanha carga sígnica, expressam na dramaturgia encenada a realidade vivida por quem não é Édipo, mas está em frente à Esfinge: ou responde, ou morre.
Em termos técnicos, pouco não deve ser elogiado na produção. O elenco é excelente, estando na surpreendente força de Fernanda Petit a concretização da força de Oliveira em fazer os músicos andarem com seus sons, em fazer a luz de Cláudia de Bem espalhar o espaço e aumentar o lugar, em motivar a concepção de figurinos que gritem tanto quanto e não menos do que qualquer outro elemento. As vozes dessa produção são, com apenas uma exceção, afinadas.
Para ler o comentário na íntegra acesse:
http://teatropoa.blogspot.com/2010/01/solos-tragicos.html

SOLOS, UMA PARÁBOLA - JÚLIO ZANOTTA VIEIRA

O teatro sempre está numa encruzilhada e são poucas as montagens que pegaram o caminho certo e menos ainda as que esperaram a meianoite para ver se conseguiam um encontro com o Cara. Um encontro destes é difícil, às vezes é preciso apostar a vida para conseguir uma hora na agenda do Maligno. Os grupos que apostaram e encontraram o Rei das Trevas ou foram varridos para o fundo dos oceanos ou obtiveram um salvo conduto para atravessar o Vale de Lágrimas. Os que afundaram no oceano, sumiram ou chegaram à praia transformados em espuma. Os que encararam a travessia do Vale de Lágrimas ou venderam seu corpo para chegar ao Outro Lado, ou venderam sua alma.
Cabem numa mão os espetáculos que chegaram ao Outro Lado.
Talvez tenham encontrado Dionísio e A Origem da Tragédia, talvez São João e o Apocalipse.
Vamos supor que apenas dois espetáculos chegaram ao Outro Lado.
Um vendeu sua alma e quando chegou era apenas um corpo descarnado. O outro vendeu seu corpo e quando chegou era apenas uma alma errante.
No Outro Lado eles começaram um diálogo, que foi mais o menos o seguinte:
CORPO DESCARNADO _ Oi, tudo bem.
ALMA ERRANTE _ Tudo bem, e aí?
CORPO DESCARNADO _ As coisas estão difíceis, né?
ALMA ERRANTE _ Já estiveram piores, lembra como era antes?
CORPO DESCARNADO _ Antes do que?
ALMA ERRANTE _ Antes de entrarmos nesta.
CORPO DESCARNADO _ Esta é a única coisa que faz sentido, a única coisa pela qual sou capaz de tudo.
ALMA ERRANTE _ Estou vendo. Ao chegar ao Vale te prostituístes...
CORPO DESCARNADO _ Não havia outro jeito de continuar... Mas muito pior foi tu, que traístes o que acreditavas.
ALMA ERRANTE _ Não é fácil atravessar o Vale de Lágrimas.
CORPO DESCARNADO _ A gente atravessa, mas a que preço!
ALMA ERRANTE _ Nem me diga, eu é que sei!
Nisto, eles saíram a um descampado onde havia uma árvore retorcida pelo vento e um amontoado de entulho. Havia ali uma galera tentando sobreviver, tentando dizer alguma coisa. Era um grupo de teatro.
CORPO DESCARNADO _ Veja. Eles estão interpretando um texto de Eurípedes. Mas não tem alma.
ALMA ERRANTE _ E agora, isto é Shakespeare. Mas falta corpo.
Havia um músico tocando fagote e outro na percussão. De um lado galpões abandonados, do outro uma Usina reciclada. Um ventinho frio vinha do rio. Ah! Então este grupo acha que é moleza?
O Corpo Descarnado se propôs ajudar.
CORPO DESCARNADO _ Vou emprestar pra eles meu corpo.
A Alma Errante também ficou a fim de dar uma força.
ALMA ERRANTE _ E eu vou emprestar pra eles minha alma.
Os dois se aproximaram e sentaram na arquibancada. Mas tiveram uma surpresa. Em cena, um Corpo Descarnado estava possuído por uma alma errante. E um coro de Almas Errantes formava um corpo descarnado.
Júlio Zanotta Vieira é dramaturgo.